Teresa Tavares, mais do que comerciante uma amiga

«Não nasci para comerciante, porque queria ter sido médica, mas infelizmente devido à doença do meu pai e a questões económicas não consegui prosseguir os estudos».

Diz que não nasceu para ser comerciante, mas foi nessa condição que se notabilizou na cidade de Portalegre, na sobejamente conhecida Livraria Tavares, onde deixou uma imagem de marca. Mulher de fé, de família, amiga do seu amigo e sempre com uma alegria contagiante, Teresa Tavares cumpriu no último ano – em Agosto – 50 anos como comerciante e falou ao nosso jornal sobre o seu percurso e história de vida que é também exemplo de coragem e resiliência nestes tempos conturbados que vivemos.

Após ser contactada pelo nosso jornal, Teresa Tavares hesitou e questionou se «não haveria uma história de vida mais interessante». Respondemos-lhe que todas as histórias de vida têm o seu interesse e não nos enganámos. Foi na livraria onde sempre a vimos com um sorriso que nos contou a sua vida e fez o balanço de 50 anos de actividade, pertencendo ao lote dos três comerciantes mais antigos da cidade.

Com 74 anos, Maria Teresa Correia Machão Tavares desde cedo marcou pela diferença, tendo mesmo sido a única entre oito irmãos a nascer no Hospital numa altura em que os partos em casa eram o normal.

Da juventude recorda que «fui sempre uma miúda muita lutadora» e lembra o sonho de ser médica, o qual não pode concretizar devido às carências económicas.

«Não nasci para comerciante, porque queria ter sido médica, mas infelizmente devido à doença do meu pai e a questões económicas não consegui prosseguir os estudos», conta Teresa Tavares, referido que já naquela altura sempre lutou pelas suas causas, como os animais ou o ambiente, e que tinha uma paixão pelos livros e pela música. «Passava a noite a ler com uma pilha debaixo dos lençóis e enquanto não acabasse o livro eu não parava», recorda.

Não podendo prosseguir os estudos como queria, Teresa Tavares começou a trabalhar, tendo ido para o Colégio Diocesano de Santo António «onde fiz de tudo» e de onde saiu «aborrecida». Foi nessa altura que surge a possibilidade de ir para a já conhecida, naquela altura, Livraria Tavares.

«Houve um dia que vim fazer os pagamentos do Colégio à cidade e cheguei aqui e o José Tavares viu que eu estava aborrecida, perguntou-me o que se tinha passado e eu disse-lhe que tinha algumas divergências e que qualquer dia saia de lá». Foi justamente isso que o comerciante, que fazia também entregas de material escolar no Colégio, queria ouvir e que motivou uma oferta a Teresa Tavares.

«Ele disse-me que me arranjava aqui emprego e eu perguntei-lhe quanto me dava por mês e ele disse que me dava ao final do ano uma parte do lucro», conta Teresa Tavares, adiantando que aceitou a oferta e que ao fim de três meses casou com o comerciante, apesar de não querer casar. 

«Eu não queria casar, queria ser freira ou dedicar a minha vida ao voluntariado, mas queria muito ter filhos e naquela altura ter um filho sem ter um companheiro ao lado era muito apontada. Eu casei exactamente para ter filhos, sempre achei que não tinha vocação para o casamento».

Já casada, Teresa Tavares continuou a trabalhar na livraria, organizou-a e ali continuou e continua há 50 anos.

Porém, aos 33 anos viveu uma das fases mais negras da sua vida com a morte do seu marido, ainda assim e ciente de que foi sempre «uma boa esposa», continuou o legado do seu primeiro marido.

Voltou depois a casar com o senhor Rafael, com quem forma há mais de 30 anos um dos casais mais emblemáticos da cidade.

50 anos a fazer amigos

Dos 50 anos que leva ao serviço da cidade e da cultura, Teresa Tavares faz um balanço «muito positivo», apesar de sublinhar «o desgosto» que tem por ver a destruição do comércio tradicional pelas grandes superfícies e, mais recentemente, por todo este contexto pandémico.

Estes 50 anos «foram muito positivos, recebi muito mas dei também muito de mim, mas só dando é que se recebe, não é verdade», refere Teresa Tavares, garantindo que «não me arrependo de nada».

Deste meio século que leva de comércio diz que primou sempre pela proximidade, tratando sempre «cada pessoa que aqui entrou como um amigo e não como um potencial comprador». Estes laços criados reflectiram-se e perduram ainda hoje. «Há muita gente que liga e que querem falar comigo» porque «antigamente a havia uma amizade entre as pessoas, agora somos apenas matéria», frisa.

Quanto à livraria, o seu desejo é que reabra, após as intervenções que necessita e já sem a pandemia, sendo que o seu desejo é que uma neta continue a marca deixada pela avó.

Mulher de causas

Além da vida de comerciante, na qual se notabilizou e que foi reconhecida até com uma Medalha de Mérito Municipal, Teresa Tavares nutre uma grande paixão pelos animais e pelo ambiente.

Deixou de comer carne há mais de 20 anos e garante que foi o melhor que fez para a sua saúde, sendo que hoje dedica uma grande parte do seu tempo com os seus amigos de quatro patas, «pelo qual sinto uma paixão enorme».

Outra das suas paixões e preocupações é o meio ambiente, referindo que «sou incapaz de estragar seja o que for, reciclo tudo, aproveito dos outros que já não precisam e dou». Neste âmbito, lembra, quando ainda não existia o Banco Alimentar «houve uma altura em que as pessoas vinham aqui e deixavam coisa, que depois dava aos mais necessitados. As pessoas que recebiam não sabiam quem dava e estes não sabiam quem recebia. Eu fazia muita descrição para que ninguém afectado», conta.

Orgulho na família

Com cinco filhos, dez netos e bisneto é na família que Teresa Tavares encontra a sua alegria natural e contagiante. «Sempre fui uma mulher que não precisou de dias para ser mulher. Sempre fui uma pessoa que deu valor à vida e todos os dias agradeço a Deus o dom da vida. Tenho cinco filhos, 10 netos e uma bisneta e são eles a minha alegria de viver, o motivo para eu continuar a lutar diariamente. Apesar da vida ter sido madrasta para mim, considero que tenho sido uma pessoa feliz e bem-disposta».

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