Sousel: Santo Amaro volta a receber a tradição secular da Bênção do Gado

É já no próximo fim-de-semana, dias 11 e 12, que Santo Amaro volta a receber a tradicional Bênção do Gado, que este ano assinala os 30 anos da sua reactivação, com um programa repleto de actividades, que convida a população da freguesia, do concelho e arredores a juntar-se a esta festa das tradições e costumes.

A Bênção do Gado de Santo Amaro, no concelho de Sousel, derivou, primitivamente de uma festividade religiosa conhecida como a Festa de Santo António da Trindade, equilibrando as forças entre o sagrado e o profano. Embora sem se poder adiantar claramente uma data para o seu início, afirma-se como uma tradição secular que advogava, antes de mais, a devoção das gentes da aldeia de Santo Amaro pelo sagrado, pelo campo e por tudo o que se relacionava com a simbiose entre o Homem e a Natureza, provavelmente uma adaptação de rituais de origem Celta como o Beltane, em que se celebravam rituais ligados à fertilidade e às colheitas, sendo comum a passagem do gado entre fogueiras.

Por entre as ervas e flores campestres que atingem o seu auge na Primavera, desfilavam rebanhos, varas, vacadas, éguadas, parelhas, entre outros animais, para serem benzidos pelo pároco local.

À imagem do que acontece nos dias de hoje, eram formadas duas filas de mirones que se juntavam, desenhando desta maneira um corredor humano por onde passavam os animais, guardados e orientados pelos seus pastores, vaqueiros, porqueiros e maiorais de vária ordem, que por sua vez caprichavam nas suas vestes com os melhores trajes, à imagem do que acontecia com os animais, que exibiam os melhores chocalhos, esquilas, badalos, cabrestos e outros arreios.

Santo Amaro sempre foi uma freguesia onde a agricultura e os costumes agrícolas estiveram bem presentes. Ainda assim, este ritual tal como dito, foi interrompido durante alguns anos.

Foi por acção de um grupo de santamarenses, reunidos num fim de tarde de petiscos, copos convívio e recordações que, na “Taberna do Zé da Bisca”, se voltou a dar vida a uma das mais antigas tradições do concelho de Sousel. A tradição secular foi então reavivada em 1994 após interrupção de 17 anos, seguindo-se a sua realização até ao corrente ano de forma ininterrupta.

Hoje, a Bênção do Gado é um caso de sucesso ímpar no panorama local e regional, no que à revitalização da cultura popular diz respeito. A festa ganhou nome próprio e um lugar de destaque mais que merecido no calendário das festividades populares do concelho de Sousel e de toda a região.

Relativamente à estruturação e realização do evento, a Bênção do Gado de Santo Amaro de hoje procura manter-se o mais fiel possível às suas origens: a chegada da banda à aldeia marca o início da festividade, segue-se a missa solene e, posteriormente, é iniciada a procissão com os pendões e andores que percorrem as principais ruas da aldeia de Santo Amaro em direcção ao campo, local onde ocorre a Bênção do Gado, sendo este o momento simbólico mais marcante para a população autóctone.

O ritual da Bênção do Gado propriamente dito, é a principal atracção desta festa, onde centenas de cabeças de gado dos agricultores da região são benzidas pelo pároco local, perante a atenta assistência dos participantes na procissão, de curiosos e mirones. Juntaram-se também ao cortejo da bênção do gado populares que trazem os seus animais domésticos: desde cães que exibem colares feitos com flores coloridas, bem como outros animais domésticos de pequeno porte (como pássaros, coelhos, etc.), que são transportados em cestinhas de verga igualmente enfeitadas e aprimoradas com flores do campo.

Finda o ritual religioso da Bênção do Gado, toda a população e visitantes da aldeia, dispersam iniciando o caminho de regresso ao núcleo urbano, onde se reúnem e reencontram num grande almoço conjunto. Inicialmente, cada família trazia o farnel de casa e partilhava com o resto da comunidade, mas hoje em dia, para além dessa “modalidade”, algumas entidades locais oferecem a possibilidade de almoçar nesse local em troca de um valor simbólico (o que permite sobretudo aos visitantes menos prevenidos de, assim, poder partilhar “da mesma mesa” em comunhão com a comunidade local). Em comum manteve-se o protagonismo assumido pelos bons produtos alentejanos, caso do azeite, dos enchidos, dos queijos e dos vinhos produzidos na região.

A tarde é, à semelhança de tempos idos, passada em alegre convívio conta hoje com a realização de actividades culturais e outras ligadas ao gado cavalar. À noite, como antigamente, é realizado o tradicional arraial, que dura pela noite dentro.

Desde 2013, a organização quis reforçar a Bênção do Gado, acoplando a este evento a dinamização e promoção do Bolo Branco, um produto endógeno e exclusivo da aldeia de Santo Amaro. Com este acréscimo, o evento acabou por ser redimensionado quer em espaço físico (juntando-lhe uma área de stands exclusivamente destinados à promoção dos produtos endógenos), quer em período temporal (alargando a festividade para dois dias), diversificando ainda mais as actividades culturais e de convívio.

A Bênção do Gado de Santo Amaro é, antes de mais, um evento com uma forte marca identitária, não apenas na forma enraizada como as suas gentes a vivem, como nela participam e a realizam, mas também como se prefigura em perfeita simbiose com o que são as suas características, o quotidiano, as crenças e as actividades económicas da região do Alentejo onde se insere.

Paralelamente, é esta sua identidade peculiar num País que avança a passos largos na descaracterização do mundo rural, que permite colocar a Bênção do Gado de Santo Amaro na preservação das tradições populares à escala nacional, tornando-a um dos últimos redutos desse mundo em vias de extinção.

É a soma dessas características que não deve ser entendida como um estigma, mas sim como uma mais-valia, pois fazem da Bênção do Gado de Santo Amaro um evento verdadeiramente diferenciador na região e no País.

É, desta forma, que um evento como a Bênção do Gado de Santo Amaro se assume de grande importância para a elevação da autoestima de um território, não só porque a população autóctone se revê e se identifica orgulhosamente nessa tradição, como também a diáspora escolhe esta altura do ano para poder visitar as suas raízes e participar activamente nas festividades, contribuindo assim para a sua consolidação e projecção turística.

À parte da programação associada às actividades económicas, ao mundo rural e à exploração pecuária, que permite complementar a Bênção do Gado com uma área de expositores, espectáculos e outras actividades de lazer para quem visita a freguesia, a organização, que cabe à Junta de Freguesia de Santo Amaro, em estreita colaboração com o Município de Sousel, está empenhada em manter a «tradição verdadeira e genuína que fazem desta festa aquilo que ela é». E nesse sentido, «o núcleo duro deste evento continuará a ser a celebração religiosa com missa e procissão em direção aos campos, acompanhada pela banda filarmónica e por toda a comunidade e entidades participantes; a Bênção do Gado propriamente dita e, por fim, o almoço comunitário de volta à praça da aldeia de Santo Amaro».

De acordo com o avançado pelo presidente da Junta de Freguesia de Santo Amaro, Nélio Painha, este ano preside às celebrações religiosas o Arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, e será apresentada publicamente a Embaixadora do Evento, a santamarense de gema e reconhecida nacionalmente, a actriz e modelo Isabela Valadeiro, bem como a equipa de trabalho responsável pela candidatura da Bênção do Gado no Inventário Nacional do Património Imaterial e posteriormente a Património Imaterial da Humanidade (UNESCO).

Como forma de assinalar formalmente os 30 anos de reactivação desta tradição secular, o programa inclui ainda uma homenagem ao grupo responsável pela reactivação, bem como aos proprietários, actuais e antigos, pela «contribuição e manutenção da Bênção do Gado».

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