Aos 73 anos, José Cid é um dos artistas mais acarinhados pelo público português e que tem ganho cada vez mais destaque a nível Internacional. Actualmente, e 50 anos depois de se ter iniciado no mundo da música, o cantor e compositor está para ficar e, prova disso é o lançamento do seu novo álbum “Menino Prodígio” e o relançamento de “10 000 Anos Depois Entre Vénus e Marte”, considerado pela revista americana Billboard com um dos cem melhores discos de rock sinfónico. Aproveitando a sua presença no “Nisa em festa”, num concerto memorável e que mais uma vez teve casa cheia, o nosso jornal esteve à conversa com o artista que diz que uns dias acorda astronauta e noutros dias tractorista. Sem papas na língua, o eterno “enfant terrible” crítica os políticos por irem de férias enquanto o país arde, as televisões nacionais pela aposta nos programas de fim-de semana e o País por não o ter reconhecido, nos anos 70, como um artista de nível mundial.
Por Luís Filipe Meira / Tiago Silva
Alto Alentejo – Longe vão os tempos do Conjunto Mistério, do Quarteto 1111, dos Festivais da Canção e da Eurovisão, da gravação de “10 000 Anos”, da “Rosa que te Dei” ou do “Cai Neve em Nova Iorque”. Afinal são 50 anos a cantar, a tocar e a compor. No entanto o que parece transparecer é que a paixão de hoje é idêntica à daqueles tempos. É assim ou a forma como encara a música tem vindo a sofrer alterações ao longo dos anos?
José Cid – Esses conjuntos ficaram para trás. Quando eu deixei os 1111, comecei a fazer a minha carreira a solo e tenho tido altos e baixos. Agora estou numa fase muito boa, com concertos consecutivos com imensas multidões, salas cheias, público que está durante duas horas e meia em pé e ninguém se vai embora até ao final do concerto, tem sido realmente, desde à cinco anos a esta parte, uma conclusão da minha carreira muito boa e, já agora, vou prolongá-la o mais que eu puder.
A.A.: Fazendo uma retrospectiva à sua carreira deparamo-nos com uma carreira intensa mas bastante versátil. Há um José Cid cujas diversas facetas estão sempre activas onde o rocker convive pacificamente com o cantor popular. Como se concilia o José Cid das “Favas com Chouriço” ou da “Anita”, com o José Cid de “Cai Neve em Nova Iorque” ou de “Os Poetas”?
J.C.: Ah sim, eu uns dias acordo astronauta e noutros dias tractorista, não tenho propriamente uma linha. Um artista que é artista tem uma inspiração e tem de seguir a sua própria inspiração. E eu sou assim. Faço canções mais levezinhas, mais brejeiras, e depois canções muito sérias e profundas, como é o caso deste meu álbum “Menino Prodígio”, que é um álbum poeticamente muito profundo e que só tem objecção de consciência. E eu tenho dias assim e dias assado, não tenho nada de ser igual a mim próprio, coerente, como disse numa t-shirt que mandei fazer, “coerente é a minha avó”, eu não tenho de ser coerente.
A.A.: Aos 73 anos recuperou o “10 000 anos”, um disco de culto, e passou-o com sucesso e ambição para o palco. Apresenta um disco novo que, segundo julgo saber, tem sido bem recebido pelo público, critica e vem mantendo uma agenda de concertos cheia…
J.C.: Relativamente ao “10 000 anos” mais importante que isso, é que vai sair, no máximo, dentro de dois meses, finalmente o “Live in Lisbon” em DVD/CD ao vivo, e isso é uma coisa que vai ser muito importante para a divulgação do álbum a nível mundial porque “10 000 anos depois entre Vénus e Marte” é um álbum muito mais procurado a nível mundial, internacional, do que em Portugal. Portugal começa agora a descobrir um álbum meu que tem já 35 anos, e a divulgação do álbum no estrangeiro, em muitos países, como Japão, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil, que são países que ligam mais ao Rock Sinfónico, se perguntam «Mas quem é José Cid? O que é isto? Que cantor é? Não sabemos quem é. Este álbum está nomeado entre os melhores álbuns do mundo, mas nós não sabemos quem é a pessoa, não sabemos como são os músicos com quem ele toca, não sabemos como é que isto é. Então vão finalmente ver “Live in Lisbon” gravado no Coliseu, está brutal, é gravado em 5.1 sound surround, tem um “sonzão”, está com imagem muito interessante e é a realidade, que sou eu a cantar e os músicos a tocar, faltam dois meses, até Setembro vai sair.
A.A.: Falei nos concertos do “10 000 anos” e como estamos na região de Portalegre, terei que lhe falar de Augusto Vintém, um músico que conhece há muitos anos mas que só agora está a trabalhar consigo. Podemos saber o porquê do convite ao Augusto?
J.C.: O Augusto Vintém é um pianista clássico que eu conheço há muitos, muitos anos como músico de música clássica, nós precisávamos de um pianista que executasse aquilo que está tocado no álbum a rigor. E depois precisávamos de duas coisas, uma pessoa que fosse muito competente e uma pessoa que não nos criasse problemas, e, justamente, o Augusto Vintém é isso, é um homem muito simples, um homem muito humilde, um grande músico e é a pessoa certa para tocar as teclas comigo e com o meu sobrinho, Gonçalo Tavares, somos três teclistas no álbum neste momento.
A.A.: Hoje, quando entra em palco ainda sente o tal nervoso miudinho, a adrenalina e a ansiedade a subir ou a tranquilidade é absoluta?
J.C.: Não eu nunca sinto ansiedade quando entro em palco, entro muito descontraído, muito consciente daquilo que tenho de fazer, com uma banda que toca muito bem, músicos muito profissionais, e só ando preocupado se estou rouco, ou ando muito cansado, ou se tenho a voz assim-assim, de resto não entro em palco stressado nunca. Aliás, eu quando entro em palco, tenho sempre ovações tão grandes do público, com salas tão cheias, que eu só posso é sorrir, ficar feliz e agradecer às pessoas a simpatia que me dedicam, nesta altura da minha carreira, porque, não há, na história da música portuguesa, ninguém que esteja aos 73 anos a fazer o que eu estou a fazer. E, infortunadamente, a Amália merecia essa homenagem, não a teve já com uma idade avançada, nem o Zeca (Afonso) a teve, com mais que merecimento, e o próprio Carlos Carmo não tem saúde. Portanto, eu sou, aos 73 anos, um rapaz que nunca na vida se drogou, nunca na vida bebeu, nunca na vida andou na noite, que dorme a sesta, que é saudável, a cumprir o objectivo, o seu projecto de vida que é escrever canções e cantá-las.
A.A.: Antes de falarmos do seu novo disco deixe-me colocar-lhe uma questão relacionada com a música portuguesa. Você tem fama de enfant terrible. Diz o que pensa. Não frequenta nem capelinhas nem os corredores do poder que mandam na música portuguesa. Não gosta de dar nem receber palmadinhas nas costas. Em poucas palavras qual é o estado actual da música lusa?
J.C.: Eu vejo bem. As rádios começam a apoiar novos projectos, vê-se a Antena 3, a Comercial e a RFM a apoiar projectos de gente nova. Infelizmente na televisão não, as televisões apostam nestes programas medonhos de sábados e domingos à tarde que até parece que estamos num país de terceira geração, ou de quarta até, e não estamos, isto é estupidificar as pessoas e nivelar para pior, e aquilo não é música portuguesa, nem muito menos é música popular, é música populosa e é música que todos os países civilizados da Europa já puseram de lado, mas nós não e não percebo porquê.
A.A.: – E chegámos ao Menino Prodígio. Um álbum com um fio condutor claramente rock. Solos de guitarra que fazem lembrar os “guitar heros” dos anos 70. Vocalizações em modo rock puro e duro. Teclas e secção rítmica com arranjos bem rasgadinhos. Metais a remeterem-nos mais para os Blood, Sweat & Tears ou os Chicago dos primórdios do que para o funky que você tanto gosta e até uma versão dum tema dos Aerosmith…
J.C.: Não concordo nada consigo, nos anos 70, o mais original desses nomes todos sou eu, eu não copiei ninguém, eu sou um original, completamente original. Portugal teve, nos anos 60 e 70, um músico de rock e um cantor a nível mundial originalíssimo que, por vários factores, nunca quis reconhecer, esse cantor é José Cid. Eu tenho nível mundial, só agora é que a crítica mundial começa a reconhecer isso, a Sputnikmusic nomeia “10000 depois entre Vénus e Marte” entre os quatro melhores álbuns do mundo, já no milénio passado a Q e a Bilboard nomeavam-no entre os 100 melhores álbuns do mundo, portanto, não tenho nada que copiar ninguém, eu sou absolutamente original, sou eu. Pelo bem ou pelo mal, estou-me marimbando para as outras referências, eu não tenho nada a ver com nada, sou o José Cid. Ainda hoje eu estive a ouvir Ney Matogrosso, que é, realmente, um homem talentosíssimo da minha geração, brasileiro e notei que temos alguns pontos de contacto, algumas semelhanças – poéticas até, mas sem nos conhecermos.
A.A.: Na verdade, o que lhe ia perguntar era se existe neste disco algum tipo de homenagem ou tributo a esse período do rock?
J.C.: Não, não. Tem um rock muito actual, o rock não tem idade, o rock é rock, não é de hoje ou de amanhã, é rock, e o rock não acabou. O que está aqui a ser tocado, logo na abertura na minha guitarra, é um tema que o próprio Steve Hackett, guitarrista dos Genesis, me mandou um e-mail a dar os parabéns, com um super guitarrista que toca comigo, Chico Martins, formado com 20 valores no Barclays School americana. Os portugueses têm de se habituar que o José Cid e os artistas que tocam comigo são de nível mundial, mas que infelizmente nascemos e vivemos na província, nem é em Lisboa, é na província. Eu sou eu, até digo ao contrário, se o Johnny Hallyday tivesse nascido em Portugal estava feito, se o Elton John tivesse nascido em Portugal estava desgraçado, se os Rolling Stones nascessem em Portugal seriam uma banda do Barreiro. Portugal não apoia nem percebe as coisas que tem, mas teve, e volto a repetir, no final dos anos 60, princípio dos anos 70, uma banda e um cantor, de nível mundial, do melhor que havia na época no mundo, e não o quis reconhecer, por vários estigmas que houve contra mim. Mas há uma coisa que eu tenho, que é uma realidade, que é público e é só o que me interessa ter, e não tenho público como me divirto imenso a tocar, eu sou feliz em palco, sou cantor ao vivo e sou feliz em palco.
AA – Sobre os pressupostos. Sentiu necessidade de apresentar material novo aos fãs? Houve um desafio da editora? Aproveitou para escoar ou dar vida a material que estava na gaveta? Ou por outro lado o Menino Prodígio é uma construção de base?
J.C.: Eu tinha vindo a gravar álbuns muito baladeiros, por uma certa imposição da editora onde eu estava, libertei-me da editora e disse: «agora vou gravar um álbum roqueiro!», e aí está. Quando eu cheguei quase ao fim do álbum, faltavam-me três temas para o completar, nessa altura fui ao meu arquivo dos anos 70 buscar três temas, alguns que são conhecidos, outros menos, o menos conhecido é “Monstros sagrados”, o mais conhecido é, talvez, “Rock rural”, e depois gravei o “Blá blá blá” também, fui buscar três temas que são completamente actuais, não são datados. Por exemplo, Led Zeppelin se aparecesse agora era a melhor banda de rock do mundo ou os Deep Purple. Não há ninguém neste momento no mundo a fazer rock como se fez nos anos 70, e eu estava lá nessa altura, só que era português.
A.A.: Será o Menino Prodígio uma autobiografia sonora?
J.C.: Só a canção, aliás, só essa não, também “O andar de Marilyn” tem a ver com a minha adolescência, eu era apaixonado pela Marilyn Monroe aos 15 anos, e o “Menino Prodígio” é a minha história de pequenino, quando as pessoas achavam que eu era um menino prodígio, como diz na canção, já não sou, sou o epitáfio desse menino prodígio. É autobiográfico sim, nessa medida, de resto, todo o resto do álbum, não tem nada a ver com autobiografia, tem a ver com a minha consciência, com a minha forma de pensar, com muita coisa que está ligada à minha vida e à minha forma de ser.
A.A.: Tem percorrido vários pontos do País. Hoje está aqui em Nisa. Perguntava-lhe, por isso, o que acha do público alentejano?
J.C.: Acho que o público do Alentejo é um público muito engraçado e que está um bocadinho farto de maus concertos e quando ouve José Cid, nos primeiros dez minutos diz: «deixa-me lá ver no que é que isto vais dar». Os alentejanos não gostam de ser enganados, e fazem eles bem, ao fim de dez minutos, estão a perceber que estão na frente de um grande concerto, de grandes músicos, de algumas grandes canções, muito bem tocadas, bem cantadas, com grande som, sem artifícios, sem mentiras, mesmo tocado e cantado, que é importante que hoje se faça isso.
A.A.: Este ano voltou a solidarizar-se com os Bombeiros através de uma publicação no Facebook, onde se disponibilizou para dar concertos de forma a angariar dinheiro para os Soldado da Paz. Aproveitou ainda para criticar a atitude dos políticos. Enquanto figura pública sente que tem de fazer alguma coisa?
J.C.: A crítica à política, não só aos políticos de agora como aos anteriores, não é minha, é de toda a gente. Eu não contesto, constato. Há décadas e décadas que os políticos partem para férias e as florestas, particularmente as do centro norte do País, desaparecem, e ninguém faz nada. Todos os anos se repete a mesma coisa, todos os anos não há aviões, não há helicópteros, não há meios, e são os desgraçados dos bombeiros e dos populares que têm de dar o seu corpo como se fosse um batalha de Aljubarrota, e isto é de uma injustiça imensa porque todo o País paga impostos caríssimos e fica a arder, nem os próprios Verdes se levantam e tiram “partido” desta situação, porque é um escândalo, porque estão a destruir o pulmão do País, e vão deixá-lo destruir. Este é um caso que tem a ver com judiciária, com Lei, com Juízes, apanham pessoas e soltam-nas outra vez, é impensável. Eu vou ajudar os bombeiros à minha maneira, dando dentro das minhas modestas possibilidades, meto piano debaixo do braço e vou todos os domingos que possa, agora de Outubro até Maio, ajudar os bombeiros voluntários a custo zero, angariar fundos para os ajudar.
A.A.: Para terminar esta entrevista, pergunto-lhe o que podemos esperar do José Cid para o futuro, em termos musicais?
J.C.: Estamos a terminar a parte gráfica toda de “10 000 anos depois entre Vénus e Marte”, a masterização foi feita em Londres, está com um som brutal, a imagem foi a que foi possível fazer, está interessante e ajuda muito ao som do álbum. Vou produzir, em Outubro, o disco do meu sobrinho Gonçalo Tavares, que vai lançar o seu primeiro disco. Em Fevereiro terei um álbum novo cá fora que se chama “Clube dos corações solitários do Capitão Cid”, que é um álbum, não tão roqueiro como este, é mais de canções, talvez mais fácil. E para já estou a avançar nestes projectos, é isso que estou a fazer. E depois, os concertos solidários e outros trabalhos que me vão surgindo noutros sítios, é a minha vida cantar ao vivo, e fazer o melhor que puder dentro da honestidade com que eu tenho estado sempre na música portuguesa. Devo acrescentar que estou a escrever mais inspirado que nunca, Deus recompensou-me pela minha solidariedade e forma de estar no mundo com uma grande inspiração, que eu até ando surpreendido, neste momento, de como estou inspirado a escrever canções e no “Clube dos corações solitários do Capitão Cid” isso vai aparecer.