No terceiro momento da sua 21.ª temporada, o Festival Terras sem Sombra (TSS) faz uma estreia absoluta no concelho de Sousel. Oportunidade para, a 26 e 27 de Abril, encetar caminhos num território muito interessante, quer na perspectiva da ocupação e das actividades humanas, quer no que de surpreendente tem para nos oferecer a paisagem natural, em particular um microcosmos que será palco de observação. A serra de São Miguel corporiza um oásis de biodiversidade e endemismos. Acresce, na componente patrimonial do fim-de semana do TSS em Sousel, o resgate de memórias associadas à presença, nesta geografia, de D. Nuno Álvares Pereira. Como ponto alto do programa, a noite de sábado reserva um concerto único, revelador da mestria dos intérpretes nacionais. A soprano Carla Caramujo e o ensemble La Nave Va, com direcção musical de António Carrilho, prometem despertar os sentidos numa viagem ao século XVIII, em peças de três expoentes da Grande Música: Bach, Handel e Mozart.
A antecipar o fim-de-semana, José António Falcão, director-geral do TSS, adianta que «Sousel é um concelho fundamental para o conhecimento do Alentejo e a sua história cruza-se, em várias ocasiões, com a história de Portugal». Por seu turno, Manuel Valério, presidente da Câmara Municipal de Sousel, enaltece a presença do Festival, «uma mais-valia, quer para Sousel, quer para os concelhos vizinhos. Este é um casamento para ficar, um factor de enriquecimento do território e um momento para celebrar a música, o património e a biodiversidade».
Nesta apresentação em Sousel, o TSS conta com a parceria do Município local. De salientar também o regresso, em 2025-2026, ao apoio sustentado da Direcção-Geral das Artes, obtido mediante concurso público.
Sob o signo do Divino e do Humano
Belíssima igreja maneirista e barroca, a matriz de Nossa Senhora da Graça, em Sousel, acolhe, a 26 de Abril, sábado (21h30), um concerto que junta a poderosa voz da soprano portuguesa Carla Caramujo às emotivas interpretações do ensemble La Nave Va, sob a direcção musical do multipremiado músico António Carrilho. Pretextos não faltam para tornar esta noite singular. O alinhamento do concerto intitulado “Et incarnatus est: O Divino e o Humano na Música de Bach, Handel e Mozart” reserva peças de excelência, num itinerário que faz uma reflexão profunda sobre a confluência entre o celestial e o terreno nas obras de três “gigantes”. Nas obras de Bach, Handel e Mozart, a transcendência encontra ressonância em harmonias complexas e na profundidade emocional que lhes é intrínseca.
Carla Caramujo, vencedora de prémios como o Concurso Luísa Todi e o Musikförderpreis, formou-se pela Guildhall School of Music e pelo Royal Conservatoire of Scotland. No seu currículo conta com apresentações em palcos renomados como o Barbican Center e o Royal Albert Hall. Destacam-se actuações como La Contessa di Foleville, em Il Viaggio a Reims (Rossini), D. Anna, em Don Giovanni (Mozart). Recentemente, assumiu a direcção artística do Festival de Ópera de Óbidos.
António Carrilho divide a sua actividade entre concertos e direcção, abrangendo um repertório que vai da Idade Média à música contemporânea. Foi solista com orquestras como a Gulbenkian, a Sinfónica Portuguesa, a Metropolitana de Lisboa e a Barroca de Haifa. Venceu os concursos Recorder Moeck Solo Competition (Reino Unido) e Recorder Solo Competition of Haifa (Israel). Dirige os ensembles La Nave Va, La Paix du Parnasse, Syrinx: XXII e Milles Regretz, apresentando-se em festivais na Europa, América e Ásia. Destacam-se as suas direcções de óperas como Dido e Eneias e The Fairy Queen (Purcell), La Serva Padrona (Pergolesi) e Orfeo (Monteverdi).
FTSS25_ Sousel_Press-release La Nave Va é um ensemble barroco fundado em 2004 por António Carrilho e Luísa Tavares, dedicado à interpretação de repertórios do século XVII e XVIII. Reconhecido pelas suas interpretações emotivas, o grupo apresenta-se em prestigiados festivais, igrejas e teatros históricos.
Seguindo os passos de D. Nuno Álvares Pereira, numa terra da Casa de Bragança
Na sua apresentação em Sousel, o TSS agenda, a 26 de Abril (15h00) uma actividade dedicada ao património local. Sob o título “Na Senda de D. Nuno Álvares Pereira: Igrejas e Ermidas da Vila de Sousel” e com ponto de encontro no Museu dos Cristos, os participantes neste momento serão desafiados a conhecer esta antiga terra régia, ligada à Ordem de Avis. No século XV, passou para a esfera de influência da Casa de Bragança, que muito se interessou por desenvolvê-la. Permanece viva, na região, a memória de D. Nuno Álvares Pereira, que foi senhor da vila e aqui valorizou a devoção a Nossa Senhora da Orada, da sua particular veneração.
Sousel possui igualmente um importante património artístico, tanto no âmbito da arquitectura religiosa como da arquitectura civil. À herança material, que inclui um notável museu – o Museu dos Cristos –, há que acrescentar o valioso legado da cultura imaterial, relacionado com os antigos ofícios, usos e costumes e com o mundo do Imaginário e do Maravilhoso.
Neste território não faltam outras localidades dignas de nota, como a histórica vila de Cano, sede um antigo concelho. Marcas da identidade local a merecerem referência e visita na actividade proposta pelo TSS, sob a orientação de Ana Isabel Machadinha, técnica superior de História.
Viagem aos “jardins liliputianos”
Porque também da Salvaguarda da Biodiversidade se faz o ADN do TSS, a manhã de domingo, dia 27 (9h30), apresenta a actividade “Exuberante, porém Frágil: A Flora da Serra de São Miguel”. Tendo o ponto de encontro no Museu dos Cristos, a visita é dirigida por João Farminhão, investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Coimbra. É sua a proposta de um “safari botânico” de que faz parte a descoberta de alguns endemismos do lugar.
A serra de São Miguel constitui um tesouro praticamente intocado da biodiversidade, com realce para a flora, que tem vindo a ser estudada pelo Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. O local apresenta um grande potencial faunístico, como tem sido assinalado, recentemente, pelos investigadores. “O Terras sem Sombra, no seu afã de revelar a identidade mais profunda do Alentejo, está muito satisfeito pela aproximação estabelecida com aquele Jardim, através de um dos seus naturalistas, grande conhecedor dos segredos serranos”, destaca José António Falcão.
Sobre a singularidade do lugar, escreve o professor Farminhão, em Sítios de Interesse Botânico de Portugal Continental (Imprensa Nacional): “Para os botânicos, as serras de Sousel permaneceram terra incógnita até há bem pouco tempo. Aqui, foram encontradas quatro novas espécies para a flora portuguesa.” Acrescentando: “Uma subida ao alto de São Miguel justifica-se, entre outros motivos, pela observação do afloramento dos calcários dolomíticos que se podem ver junto à Senhora do Carmo. É, afinal, graças a estas rochas que a maioria da flora que veremos se pôde instalar na serra”.
Estes “jardins liliputianos” reservam-nos a surpresa de espécies como a Valerianella multidentata, minúsculas e delicadas plantas, sinalizadas para a flora portuguesa pela primeira vez em 2015; Chaenorhinum rubrifolium, identificado pela primeira vez em 2004 e a minúscula cenoura-brava (Daucus durieua). Bons motivos para uma manhã de domingo de descoberta sob a fronde da vegetação alentejana.
A 21.ª temporada do TSS prossegue a 17 de Maio em Arronches.