Doutor António Ascensão: O médico das crianças

Apesar da longa e intensa vida de trabalho que teve, António Ascensão garante que «não mudava nada e fazia tudo como fiz», acrescentando que «valeu a pena ter tirado o curso de medicina e ter-me feito pediatra», diz emocionado.

É o pai da pediatria em Portalegre. Durante mais de 50 anos passaram milhares de crianças pelas suas mãos. A dedicação e o empenho que depositou a ajudar os outros tornaram-no numa das personalidades mais acarinhadas e reconhecidas na cidade. Na semana em que se assinala o Dia Mundial da Criança e 12 anos após ter cessado a sua actividade profissional como pediatra, recordamos a vida e obra do Dr. Ascensão, ainda hoje recordado na cidade como “o médico das Crianças”.

A idade não gosta de a referir, mas no seu olhar e no seu rosto estão gravadas as memórias e histórias de um homem que teve uma vida intensa. Apesar das dificuldades em recordar-se e em falar da sua vida, as suas poucas palavras são bastante esclarecedoras, no que a ela diz respeito. «Fui sempre feliz, senti sempre durante toda a minha vida a felicidade», diz-nos com os olhos a brilhar.

Portalegrense de gema, tendo nascido na casa onde ainda habita, localizada mesmo no centro histórico da cidade, junto à Porta da Devesa (Rua Direita), António Francisco Madeira de Ascensão nunca renegou as suas origens.

Filho do prestigiado comerciante da cidade, Carlos Francisco de Ascensão, que durante muitos anos se dedicou ao comércio de panos, gorgorinas, opalinas e alpacas, e de Maria José Madeira, que sempre se dedicou à família, o médico nasceu no seio de uma família feliz, muito ligada à religião e defensora de grandes valores. Da sua infância recorda pouco, mas tal como nos começou por referir, diz que «foi sempre muito feliz».

Tal como na infância, também a sua adolescência foi passada na cidade. Estudou no Liceu de Portalegre até ao sexto ano (hoje 10º) tendo apenas saído do Alentejo para concluir os seus estudos no Liceu D. João III, em Coimbra, corria o ano de 1938.

É nesta altura, prestes a entrar para a Universidade, que António Ascensão decide enveredar pela área da saúde, por causa do seu pai que tinha uma grande admiração por um padrinho seu que era médico. «Eu tinha muito boas relações com o meu pai e ele queria que eu seguisse para medicina e fiz-lhe a vontade», recorda o pediatra.

Ainda em 1938 faz o exame de admissão à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, onde estudou durante sete anos no curso de Medicina e Cirurgia.

Considerando-se como uma pessoa «interessada em aprender tudo o que conseguisse», a 6 de Janeiro de 1945 termina a licenciatura com um aproveitamento acima da média.

Ainda nesse ano iniciava as suas funções profissionais como médico estagiário voluntário nos Serviços de Pediatria do Ninho dos Pequeninos da Junta Província da Beira Litoral, sendo que já nesta altura apresentava um gosto especial pela área da saúde infantil.

Estas funções viriam, no entanto, a ser interrompidas devido ao Serviço Militar e foi enviado para Cabo Verde, onde assumiu o cargo de director da enfermaria das forças militares destacadas na Ilha do Sal e, posteriormente, de director da enfermaria de guarnição militar da Ilha de S. Vicente. De Cabo Verde ficaram as recordações de um local «onde me dei perfeitamente e em que aprendi muita coisa», refere

Volta a Portugal dois anos depois, retomando a as suas funções como médico estagiário, e com a vontade de aprender cada vez mais aguçada. Ainda nesse ano voltou a Coimbra onde completou o curso de Medicina Sanitária e Tisiologia Social e, em 1948, o curso de Ciências Pedagógicas na Universidade de Letras de Coimbra. «Eu não fiquei em Coimbra porque não quis, tinha lá todas as condições», diz-nos, Dr. Ascensão que refere ainda que sempre gostou de aprender e por isso «procurava sempre fazer amigos que soubessem mais do que eu», salienta.

A paixão pela pediatria

Apesar de reconhecer que «podia ter ficado em Coimbra», António Ascensão revela-nos que «foi o amor» pela sua terra que o fez regressar a Portalegre.

Aqui inicia a sua longa e intensa vida como médico no antigo Hospital da Misericórdia, onde assumiu cargos no Serviço de Clínica Geral, Serviço de Urgência e também no serviço de uma enfermaria para crianças. Nesta altura a sua actividade foi bastante intensa ao nível da cirurgia e da obstetrícia. Em 1951, os recursos nos hospitais eram poucos e os médicos eram obrigados a saber e a intervir nas mais diversas situações. Esta situação nunca foi um problema para António Ascensão, que viu aqui um pretexto para aprofundar os seus conhecimentos. É por esta altura que o “bichinho” da pediatria se desenvolve e foi para Lisboa fazer uma especialização em Pediatria. «Eu tinha a noção que tinha de conhecer tudo enquanto médico», recorda, acrescentando que naquela altura «se fosse preciso fazer uma cesariana, eu sabia».

A entrada de um novo cirurgião no Hospital da Misericórdia fez com que António Ascensão se dedicasse mais à enfermaria de crianças, do qual era responsável. É nesta altura que o médico decide criar o primeiro serviço de pediatria em que «apesar das dificuldades», conseguiu com a sua «teimosia», construir um serviço que veio melhorar os tratamentos de crianças e que ao mesmo tempo foi um marco na área da saúde infantil da cidade e da região.

Em 1973, quando abre o novo hospital em Portalegre, António Ascensão é transferido para este novo serviço, onde integrou a primeira equipa de profissionais. «O novo hospital veio trazer melhores condições de trabalho, tivemos alguns problemas ao início, mas as condições eram melhores», refere o médico, acrescentado que «trabalhei muito no novo hospital».

O empenho que depositava em cada situação em que intervinha valeu-lhe, a pouco e pouco, o reconhecimento e o carinho de toda população. Hoje, olhando para trás, António Ascensão diz sentir-se «orgulho» por ter conseguido ajudar tanta gente e confessa que recordar esses momentos «fazem-me vir as lágrimas aos olhos».

Uma história de amor

Maria José Ascensão é a sua companheira há 42 anos e foi através da pediatria que se conheceram. «É uma história de amor», diz-nos António Ascensão.

O casamento com Maria José surge depois de um primeiro casamento que durou 27 anos e terminou com a morte da sua primeira esposa. Recém-chegada a Portalegre, Maria José confessa que apenas «tinha visto o António uma vez» e que depois do falecimento da sua esposa «ele ficou muito desanimado e sem vontade de ir ao hospital», refere.

Foi perante uma situação complicada «que o obrigou a ir ao hospital para acompanhar o caso», que a partir daí «ele começou a falar muito comigo e meses mais tarde casámos», conta a esposa do médico.

O apoio da enfermeira e depois esposa numa altura complicada da sua vida, não é esquecido por António Ascensão que garante que «o apoio da Maria José foi decisivo na minha vida depois da morte da minha esposa».

Desta bonita história de amor resultaram duas filhas, sendo que a família cresceu e neste momento António Ascensão tem três netas e um neto. Relativamente à sua família o pediatra é peremptório e garante que «sinto um grande orgulho de todos eles, dou graças a Deus por ter uma família como tenho, são eles que me ajudam a viver».

As crianças e a pediatria hoje

António Ascensão terminou a sua actividade profissional simbolicamente, em termos de clínica privada, no dia 1 de Junho de 2003, e para trás ficaram 53 anos de serviço inteiramente dedicado às crianças, mas, no entanto, confessa que continua «a ver as crianças com muito amor» e apesar de «ter pena de já não exercer».

Quanto à pediatria e ao legado que deixou, o ilustre médico-pediatra Ascensão confessa que já não se sente actualizado mas considera que o seu trabalho «foi continuado» pelos médicos que lhe sucederam em Portalegre e a quem «reconheço mérito e valor», conta.

Apesar da longa e intensa vida de trabalho que teve, António Ascensão garante que «não mudava nada e fazia tudo como fiz», acrescentando que «valeu a pena ter tirado o curso de medicina e ter-me feito pediatra», diz emocionado.

Mesmo depois de ter terminado a sua carreira profissional o Dr. Ascensão continua a ser uma das figuras mais queridas e respeitadas de Portalegre, representando um pedaço de história nobre desta cidade e que temos a oportunidade e orgulho de partilhar com os leitores, deixando um especial agradecimento à sua família e em especial à esposa, Maria José Ascensão, pela colaboração na realização desta entrevista.

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