Há 50 anos, de uma conversa que surgiu em jeito de brincadeira durante um convívio na casa de José Maria Frutuoso, um grupo de amigos, incentivados pela Irmã Emanuel, da Associação de Vicentinos de São Vicente Paulo da Paróquia de S. Lourenço de São Vicente Paulo, decidiu criar no Salão Frio uma associação, que daria origem ao Centro Vicentino da Serra, que completou no dia 8 de Novembro cinco décadas de existência.
Estes 50 anos são feitos de muitas histórias, mas também muito voluntariado, e muitas conquistas de quem sempre acreditou que esta associação poderia ter um papel importante na vida associativa da cidade de Portalegre, e mais concretamente, da serra, onde tem as suas raízes desde o primeiro momento.
Num ano que deveria ser de grande comemoração, à dimensão do que são as suas cinco décadas de existência, a pandemia que vivemos impede que o Centro Vicentino assinale este marcante aniversário juntamente com os seus sócios e amigos, no entanto a colectividade anseia por voltar à actividade e poder continuar a dinamizar a serra, contribuindo também com o trabalho voluntário em muitas outras iniciativas, como tem acontecido desde a sua fundação.
Nos estatutos, à data de 1984, o Centro Vicetino definiu que tem como propósito «contribuir para a promoção humana, integral de todos os associados, coadjuvando os serviços públicos competentes ou as instituições privadas, num espírito de solidariedade humana, cristã e social», assumindo ainda, naquele que era o seu objectivo inicial, que «pode criar e manter actividades relacionadas com a assistência à infância, apoio aos jovens na organização e orientação de actividades de tempos livres, orientação profissional e práticas desportivas, apoio à terceira idade, em regime de internato ou centro de dia, apoio à população activa através de programas de promoção e desenvolvimento social e cultural. Criação de uma sala de estudos, explicadores, telescola e curso de educação de adultos».
Para fazer a ponte entre o início da história do Centro Vicentino e o presente, o nosso jornal esteve à conversa com o sócio fundador, João Gandum, e com o actual presidente da direcção, José Frutuoso, e foi precisamente nas instalações da sede da colectividade, que ao longo dos anos foi sendo aprimorada e melhorada, sendo motivo de grande orgulho para os seus sócios todo o investimento que tem sido feito neste espaço, que nos receberam.
João Gandum recordou a vontade com que um grupo de jovens “agarrou” a ideia de criar esta associação, sem esquecer algumas dificuldades que foram vivendo, mas também quem os ajudou a crescer, destacando o nome de Ruy Sequeira, que muito os ajudou, tendo inclusive cedido um espaço no Rosal, que serviu durante vários anos de sede, e posteramente na construção e aquisição do terreno onde iria ser edificada a actual sede, o qual custou «180 contos, tendo a paróquia de S. Lourenço dado 120 contos e o senhor Rui Sequeira o restante», recorda João Gandum.
Recuando ao momento em que formalizaram a associação e definiram os sócios, João Gandum relata-nos que havendo muitos interessados, definiram que quem oferecesse mais dinheiro de cota seria o sócio número um, tendo sido Mário Frutuoso o que mais ofereceu, seguindo-se então essa ordem. «Logo no primeiro dia conseguimos mais de 25 sócios, e a partir daí muitos mais foram surgindo, de tal forma que chegámos aos 100», constata, lamentando que muitos desde sócios já tenham falecido.
Entre as várias normas que os estatutos definiam, estava estabelecido que o vice-presidente da direcção teria que ser um “vicentino”, tendo o primeiro presidente sido Eutiquio Moreira, e foi criada uma comissão de obras, tendo em vista a construção da sede, o que acabou por não ser fácil, sobretudo, pela aquisição do terreno
Foi na Quinta do Rosal, onde lhe foi cedido um espaço e se desenvolveram inúmeras actividades culturais, teatrais, de ensino e de promoção das tradições, que o Centro Vicentino permaneceu até 1987, tendo tido como primeira denominação “Centro Vicentino Nossa Senhora da Saúde”, em consideração a um residente da Quinta da Saúde, o senhor Miguel Serra, que ofereceu à associação uma imagem de Nossa Senhora da Saúde com o objectivo de ser construída uma ermida em sua homenagem, o que até hoje não se concretizou, no entanto, a imagem mantém-se na posse da associação e encontra-se nas instalações da sede. Só em 1984 é que passou a denominar-se Centro Vicentino da Serra de Portalegre.
Mas até conseguir construir a sua própria sede, o Centro Vicentino já tinha percorrido um longo caminho no associativismo e com um grande dinâmica, e enquanto procurava um terreno, muitas foram as actividades desenvolvidas, tendo-se também dedicado a algumas modalidades, como é o caso do atletismo e do futebol, tendo a associação sido Campeã e Vice-Campeã do Inatel, sendo ainda de realçar que uma equipa, em representação do CVS foi Campeã do Mundo da Pesca ao Achigã, no México.
Um dos grandes objectivos da associação nos seus primeiros anos de vida era construir um campo de jogos, o qual acabou por ser construído num terreno cedido por Ruy Sequeira num terreno no Cabeço de Mouro, com o apoio da Câmara, na época presidida por Rui Simplício, que disponibilizou as máquinas para as terraplanagens, e a mão de obra teve como principal base o voluntariado, desde membros da direcção, sócios e amigos do Centro. O “campo dos sargaços” foi finalmente inaugurado em 1977. «Esse campo construiu-se com muito voluntariado, chegámos a ter 40 pessoas a ajudar-nos a abrir o caminho até ao local do campo, desde pedreiros que nos quiseram ajudar, a amigos e sócios. Nessa época era assim que se fazia muita coisa, e esse campo, bem como muita da nossa história, construiu-se de voluntariado, de ajudas de amigos do Centro Vicentino, e de muito respeito pelo associativismo», constata, acrescentando ainda que os balneários foram construídos com a verba de uma candidatura (TNS) a financiamentos para o desporto, feita com a orientação de Eduardo Sousa Lima, que, como recorda João Gandum, era nessa época era dirigente desportivo. «Esse campo ainda recebeu muitos jogos, inclusive do distrital, mas também muitas outras iniciativas, como os festejos populares, convívios e muito mais», recorda o sócio fundador.
Em 1981 começaram a ser dados os primeiros passos para avançar com a construção da tão desejada sede, mas vários percalços atrasaram o processo, até que finalmente em 1986 é concretizado o sonho de construção da sede, cuja inauguração ocorreu em Agosto de 1987.
João Gandum recorda que também para avançar com a construção da sede foi «muito importante recorrermos a ajudas, como por exemplo termos pedido ao Eng. José Carrilho da Graça para fazer um esboço do que seria a nossa casa, porque era necessário para ser entregue na Câmara, assim como também os primeiros materiais foram-nos dados, e a construção iniciou-se, mais uma vez, com muito muito trabalho voluntário», realça.
Ainda nesse ano foi decidido avançar com a ampliação do espaço, e em 1988 iniciaram-se as obras, que ficaram concluídas em janeiro de 1989. Nos primeiros anos da sua história, o Centro Vicentino ambicionava ser muito mais do que uma colectividade, tendo, inclusive, idealizado um projecto de centro comunitário, constituído por creche, jardim de infância, lar para a terceira idade, sala de espectáculos, posto médico, estruturas para a prática desportiva, mas que não chegou a ser concretizado.
Para João Gandum a história destes 50 anos de vida do Centro Vicentino é resultado de «muito trabalho, muita carolice e muita honestidade», pois «só assim conseguimos construir o que construímos, e continuamos a conseguir investir no património do CVS, melhorando as suas instalações, sempre a pensar em servir melhor os sócios e a nossa comunidade», constata, convicto de que por esta casa passaram pessoas «com vontade de fazer bem» e que isso «fez com que esta associação fosse muito importante para a serra, mas também para a cidade», refere.
Futebol, atletismo, tiro ao alvo, garraiadas, educação de adultos, escola primária, tempos livres, grupo cultural e teatro, bailes nos santos populares e marchas, desfiles de carnaval, festa dos aventais, jogos tradicionais, torneios de sueca e de pesca, provas de vinhos, matanças de porcos, BTT, trail, futsal, aulas e actuações de Zumba, noites de fado solidárias, e inúmeros e variados convívios a pedido de sócios, entidades e amigos, são muitas das actividades em que o CVS esteve envolvido desde a sua criação, não sendo, por isso, de estranhar que, em 2014, tenha sido agraciado com a Medalha de Mérito Municipal pela Câmara Municipal de Portalegre.
Promotores de cultura e tradições, dinamizadores, cozinheiros de mãos cheia, desportistas, mas sobretudo com uma grande paixão pelo valor do associativismo, assim têm sido os sócios desta associação, que, embora estejam longe de ser em quantidade, como era há alguns anos, aqueles que continuam empenhados em dinamizar a serra ainda se movem pelo respeito aos ideais da sua fundação, e para não deixar cair uma colectividade que faz parte da história da cidade de Portalegre.
Em conversa com o AA, o actual presidente, José Frutuoso, assume que é, precisamente, a falta de pessoas a maior dificuldade que o Centro enfrenta no presente, e que pode comprometer o seu futuro.
Em jeito de balanço, o presidente da direcção acredita que são 50 anos «de muita dedicação e trabalho, de muita gente dedicada que, na sua grande maioria, o fez sempre em proveito do CVS, e com muito empenho», pelo que, em nome da colectividade, agradece «reconhecidamente a todos», e agradece, igualmente, «a todas entidades públicas e privadas que, até hoje, ajudaram e patrocinaram muitos dos eventos efetuados», pois desde o início «foram muitas, digamos mesmo bastantes, as actividades e eventos levados a efeito.
Sendo exemplo que, sempre que o Município o solicitou o CVS colaborou, com todo o empenho e pelo bom nome da nossa terra, fosse nas Festas da Cidade, nas Feiras das Cebolas, nas Feira de Vinhos, ou em qualquer iniciativa para a qual pudéssemos contribuir», sublinha.
José Frutuoso faz questão de salientar que «tudo isto tem sido possível ao longo dos anos com boa vontade e voluntariado de elementos dos corpos sociais e muitos outros amigos, grande parte originários de famílias da Serra», constata, assumindo que, no presente, são «cada vez menos».
Consciente desta realidade, o presidente da direcção deixa um apelo a que apareçam «caras novas com boas ideias e bem intencionados », que serão «necessários para a continuidade», embora garanta que, «por enquanto e dentro do possível, e ainda que de porta fechada devido aos tempos atípicos que todos estamos a viver, continuaremos a zelar pela associação como até hoje foi conseguido com trabalho, honestidade e boa vontade».
Fazendo questão de reafirmar que o CVS apenas encerrou devido à situação pandémica que, nos tempos mais recentes, ganhou maiores proporções na cidade de Portalegre.
José Frutuoso recorda que nos primeiros meses a sede da associação serviu de “central” para uma iniciativa que muito fez, mais uma vez com muito trabalho voluntário e muitas doações, para conseguir equipar os profissionais de saúde do hospital de Portalegre, tendo, já posteriormente, assumido a responsabilidade de fazer máscaras para a população, a pedido da Câmara de Portalegre, justificando que, depois de todo este trabalho, entenderam não dever manter a sede aberta, para não correrem qualquer risco de ser um foco de um surto de Covid-19.
A liderar os destinos da associação há cerca de seis anos, José Frutuoso garante que financeiramente o CVS tem conseguido sempre manter-se equilibrado, investindo nas suas instalações, e os últimos anos têm sido de grande trabalho e dinamismo, em termos de participação em eventos da cidade, o que nem sempre é fácil, como constata, pois «somos um grupo pequeno», mas que tem sido possível porque «somos um grupo de grandes amigos e muito empenhados, e não temendo desafios», assume, referindo que este tipo de dinâmicas são imprescindíveis para conseguir verbas para a associação, porque «não nos podemos esquecer que temos património que é do
Centro, que tem despesas fixas, e que, além das quotas dos sócios, necessita de encontrar outras formas de angariar verbas para cobrir as suas despesas», esclarece.
Recentemente, o Centro Vicentino regressou às origens em termos de modalidade, tendo apostado novamente no atletismo.
A equipa dos Vicentinos é composta por vários atletas de diferentes escalões, é coordenada por José Luís Gonçalves, e conta com a grande experiência do treinador Niang Lemzo, que logo na primeira época ajudou os atletas a dar provas da sua garra, tendo conquistado vários prémios.
Relativamente às comemorações dos 50 anos, o presidente revela que tinham grandes planos, e é com grande tristeza que «lamentamos não comemorar presencialmente esta data, como de costume na Associação, que por medidas preventivas se encontra encerrada», mas «temos esperança de que melhores dias chegarão, e que ainda iremos assinalar devidamente estas cinco décadas do Centro Vicentino», fica a promessa.
Reportagem publicada na edição imprensa nº 699 do Jornal Alto Alentejo de dia 2 de Dezembro de 2020