De Portalegre para o Mundo: Navegador Filipe Palmeiro faz história no todo-o-terreno

Com uma carreira nacional e internacional de grande prestígio no todo-o-terreno, conquistada com muito trabalho e dedicação ao longo dos últimos 25 anos, o portalegrense Filipe Palmeiro teve em 2024 um dos melhores anos da sua carreira como navegador, até ao momento, tendo conquistado, ao lado do piloto João Ferreira, um dos principais títulos mundiais, a Taça do Mundo de Bajas.

Com este triunfo histórico, numa temporada recheada de títulos, a dupla portuguesa conseguiu fazer o pleno e deixa uma grande marca na história do todo-o-terreno ao conquistar, no mesmo ano, os títulos de campeões nacionais, europeus e mundiais.

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Depois de uma época intensa, com mais de duas dezenas de corridas, e que os preparou para um início de 2025 bastante desafiante, Filipe Palmeiro iniciou o ano de 2025 novamente ao lado de João Ferreira, para mais uma participação naquela que é a prova mais dura de ralis do mundo, o Rali Dakar, e na qual voltaram a competir ao volante do Mini que tantas vitórias lhes deu no último ano, conquistando um excelente 8ºlugar.

Antes de partir para mais uma edição do Rali Dakar, prova em que se estreou há 20 anos, Filipe Palmeiro falou com o nosso jornal sobre esta última época, os desafios da navegação e da sua carreira, dando-nos a conhecer um pouco mais sobre o portalegrense que, sem nunca deixar a cidade que o viu nascer, onde cresceu e continua a residir, tem percorrido o mundo como navegador e conquistado prémios, títulos e um lugar na história do todo-o-terreno.

Filipe Palmeiro nasceu em Portalegre em 1977 e como qualquer portalegrense cresceu com a Baja Portalegre, prova que viu nascer e pela qual ganhou admiração, em particular pelo seu fundador, José Megre, no qual admirava e se identificava com a paixão pela aventura e pela descoberta do mundo.

Embora já tivesse dado assistência de alguns amigos em provas, nomeadamente através do amigo Jorge Esperto, irmão do piloto Francisco Esperto, a sua primeira prova foi como piloto, no ano 2000, nas 24 Horas de Fronteira.

No ano seguinte, Francisco Esperto convidou o portalegrense para ser seu navegador no Troféu Jimmy, tendo sido esta a primeira vez que Filipe Palmeiro “agarra” num roadbook, pois como nos confidencia, «nunca feito nenhuma prova, nunca tinha feito um passeio sequer de todo-o-terreno como navegador», e recorda que «nos primeiros cinco quilómetros não disse nada, ia só a observar».

Seguiram-se mais um ou dois anos como co-piloto de Francisco Esperto e depois passou para o lado de Paulo Marques, tendo a sua primeira participação no Rali Dakar acontecido precisamente há 20 anos. Não foi da forma que idealizava, mas ainda hoje considera que foi «provavelmente, o Dakar mais divertido que tive nestes anos todos».

«Nesse primeiro ano era para ir com o Paulo Marques ao Dakar, mas, porque era assim que funcionava, não consegui arranjar nenhum patrocínio e, por isso, era para ficar em casa. Até que ele me liga e diz para ir porque tinha arranjado um lugar para mim num carro de fotógrafos», recorda o navegador portalegrense.

«Fui com o Jorge Cunha, que é um fotógrafo bastante conhecido do meio, e foi uma grande aventura. Foi quase pior que ir na corrida, porque tivemos uma série de problemas no carro, mas acabou por ser muito giro, diverti-me imenso, e hoje considero que, se calhar, até foi dos mais divertidos, porque foi aquela emoção toda de ser o primeiro Dakar, de fazer um Dakar. E foi mesmo muito interessante», relata Filipe Palmeiro.

A partir dai foram surgindo oportunidades, nomeadamente o convite de Elisabete Jacinto, que «tinha uma relação muito boa com o Jorge, que percebeu que eu era capaz de ter alguma característica que pudesse ser interessante», posteriormente surgiu a oportunidade de ser navegador do brasileiro Paulo Nobre, conhecido como “Palmeirinha”, com o qual correu dois ou três anos e que o levou para a equipa X-Ride, em 2006, e com a qual tem feito grande parte do seu percurso e com a qual tem conseguido grande parte dos títulos e conquistas que o tornam um navegador de referência.

Questionado sobre o trabalho de preparação que um navegador precisa fazer para as provas, Filipe Palmeiro confessa que «foi sendo alterada com o passar dos anos», pois «antigamente, fazia-se uma preparação diferente e era até mesmo muito mais exigente, porque agora as novas tecnologias também ajudam», clarifica.

«Actualmente, os roadbooks são digitais e são nos entregues cinco minutos antes de partirmos para a especial. E nós não temos acesso a nenhuma informação antes», explica, denotando que esse era um trabalho que era necessário fazer há cinco ou seis anos, ou seja, «recebíamos um roadbook, principalmente em provas como o Dakar, no dia anterior à etapa e tínhamos pessoas na Europa a trabalhar no Google Earth, a fazer o mapa de toda a especial. Dormíamos muito pouco porque tínhamos que fazer essa preparação, em que tínhamos que acordar muito cedo, que era quando já tínhamos o trabalho preparado que nos chegava da Europa, e do retirávamos todas as informações que tínhamos que transportar para o roadbook», explica, frisando que «era um trabalho extremamente complicado».

Consciente de que essa parte do trabalho foi facilitada com as novas tecnologias, tornando o processo bem mais simples, Filipe Palmeiro considera até que «agora é mais justo para todos, porque nem todas as equipas tinham acesso a essa possibilidade de preparar as etapas», no entanto denota que «agora o nosso trabalho acaba por ser também mais na base do improviso, pois temos que resolver as situações sem nunca as termos visto, enquanto antigamente tínhamos tempo de estudar os que poderiam ser os problemas», o que para o navegador portalegrense tornou mais desafiante ainda a sua função mas também «dá um prazer diferente».

Filipe Palmeiro refere também que, para além desta questão, há toda uma preparação física, diária, que é necessária e, a exemplo do que foi a participação da dupla em tantas provas no ano de 2024, uma rotina que os prepara e os ajuda a desenvolver mecanismos de comunicação e de conexão entre piloto e navegador que contribuem bastante para a evolução e para o resultado final de cada época.

«Foi precisamente por isso que optámos por fazer tantas corridas este ano. O João começou há cinco anos no todo-o-terreno e hoje é já considerado um dos grandes pilotos desta geração, e esta evolução tem muito a ver com toda essa preparação e com a quantidade de provas que escolhemos fazer», sublinha, acrescentando que «em 2024 não houve nenhuma equipa ou nenhum participante que tivesse feito tantas corridas no mundo».

Considerando o seu percurso e as diferentes nacionalidades dos pilotos que já navegou, questionámos se para Filipe Palmeiro essa também é parte importante da sua preparação, ao que o portalegrense nos respondeu que «embora agora use mais o português, estava habituado a faze-lo noutras línguas, pois já naveguei em espanhol, em francês e em inglês», explicando que o próprio ambiente da competição o ajuda nesta parte, frisando ainda que nos primeiros anos, como tinha acesso antecipado ao roadbook isso permitia-lhe «trabalhar o vocabulário, pois são indicações precisas e específicas», o que «faz com que seja mais fácil fazer a navegação em diferentes línguas, sendo que o mais importante é também conseguir adaptar a navegação ao piloto, e tudo isso faz parte da evolução, mas é algo que também é bastante», realça.

Filipe Palmeiro confessa que inicialmente toda a sua evolução foi surgindo de forma natural e com as oportunidades que teve, embora, em determinada altura, tenha sentido que «precisava de evoluir e tive de trabalhar em certos campos específicos para conseguir atingir o nível que queria», sendo que o segredo do sucesso é, acima de tudo, dedicação e muito trabalho de equipa, pois como faz questão de referir «apesar da minha experiência também evolui muito com o João, e só com todas essas condições é que nos conseguimos realmente focar e atingir objectivos», constata, garantido que foi precisamente isso que permitiu que a dupla tivesse uma época de sonho e com tantas conquistas.

Questionado sobre o que falta ganhar depois de tantos títulos conquistados, Filipe Palmeiro não esconde que vencer o Dakar é também um sonho, pois é, sem dúvida, a prova mais desafiante do mundo e para a qual trabalhamos um ano inteiro, embora seja a primeira do ano, para conseguir ter a melhor prestação possível, com uma estratégia bem definida e conscientes de que também as outras equipas sonham com esta conquista e que a competição é grande.

Filipe Palmeiro faz questão de frisar ao nosso jornal que toda a sua carreira só tem sido possível com um grande apoio familiar, o qual é ainda mais essencial numa época como a de 2024, com tantas corridas e tanto tempo passado longe de casa. «Tenho um filho com um ano e três meses, e não foi fácil passar o ano quase todo fora. Mas tanto a Inês, a minha esposa, como o resto da família têm sido cruciais no apoio e incentivo que me dão. É muito importante ter essa base também», afirma.

A história de Filipe Palmeiro é um bom exemplo de que é possível concretizar sonhos, mesmo para quem vive numa cidade do interior, na qual as oportunidades podem não surgir com a mesma facilidade, mas como nos refere o navegador portalegrense «quando queremos muito é preciso acreditar, mesmo quando os resultados não são os esperados, há que acreditar que podemos ter sorte e que se continuarmos a lutar por aquilo que queremos, a nossa oportunidade pode surgir».

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