José Belo Subtil, uma vida dedicada aos outros

Fundador do Lar e Centro de Dia Nossa Senhora da Luz em Vale do Peso e com um percurso de mais de 50 anos a servir os outros, José Belo Subtil, viu o seu trabalho ser reconhecido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com o prémio Nunes Correa Verdades de Faria.

Foi com surpresa que há algumas semanas José Belo Subtil recebeu a notícia que dava conta que era um dos vencedores dos prémios Nunes Verdades de Faria, um galardão atribuído pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e que visa distinguir o trabalho e a investigação desenvolvidos nas áreas do cuidado a idosos, do progresso na medicina geriátrica e do tratamento das doenças do coração.

Entre uma professora de medicina e três médicos investigadores, o trabalho de José Belo Subtil chamou a atenção do júri que decidiu atribuir-lhe o prémio, depois de ter analisado um a candidatura enviada por uma senhora do Estoril, que à revelia do homenageado, decidiu apresentar o seu currículo, depois de ter conhecimento da sua dedicação à causa dos idosos.

Das mãos de Pedro Santa Lopes, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, José Belo Subtil recebeu na tarde de quarta-feira, 15 de Junho de 2016, o prémio, numa cerimónia que decorreu nas instalações da instituição.

É com simplicidade e sem grande euforia que José Belo Subtil reage ao nosso jornal a esta distinção. «Estou satisfeito, mas nãos não são os títulos nem as homenagens que me satisfazem, é a minha consciência em fazer melhor para os outros e em dignificar a minha família», refere.

Foi de resto à sua família que no discurso que fez durante a cerimónia de entrega do prémio que dirigiu algumas palavras. «Pedia desculpa aos meus filhos e à minha mulher por muitas vezes ficarem de lado para eu poder continuar com os meus projectos», refere.

Um Homem do Povo

Natural de Vale do Peso e residente deste há muito em Portalegre, José Belo Subtil é uma das figuras mais reconhecidas do distrito pelo trabalho que tem desenvolvido desde há 30 anos no Lar de Nossa Senhora da Luz. Mas antes de chegar onde chegou, também ele passou dificuldades próprias do seu tempo, marcado pela miséria e pelas más condições de vida.

«Fiquei órfão de pais aos 9 anos», diz-nos acrescentando que começou aos 12 anos a trabalhar numa pedreira na Quinta de Marrocos, para lá da Estação no Crato». Dormia numa enxerga (colchão) e dividia o farnel que mãe lhe mandava pelos seis dias de trabalho. «Como é que uma criança de 12 anos conseguia fazer isto?», refere.

Trabalhou a pedra durante seis anos e aos 18, quando atingiu a maioridade, foi para Leiria fazer serviço militar e lá sentiu o desejo de seguir carreira como Polícia. «Eu via os polícias aprumados, engraxados e fui perguntar o que era preciso para ir para a Polícia», refere. Com consciência das dificuldades dos exames daquela época, começou a treinar a escrita a fazer cópias de jornais.

«Fui prestar provas a Lisboa. Eram 3200 candidatos que faziam todos os dias exames divididos em grupos de 10», diz acrescentando que «só dei um erro».

Iniciou assim a carreira como polícia em Santa Marta, Lisboa, onde permaneceu dois anos até a ser transferido para a esquadra de Portalegre, em 1957, e dois anos depois pede para ser transferido para o Crato.

«Quando cheguei pensei em tirar o 1ª ciclo, que na altura correspondia ao 1º e 2º ano do liceu, e pedi ao padre para ir ter aulas com os miúdos num colégio que existia no Crato», refere acrescentando que «ainda hoje aqueles gaiatos e gaiatas gostam de mim».

Entretanto regressa novamente à PSP de Portalegre e «como era um pouco mais habilitado fui para a secretaria como escriturário».

Ano mais tarde sai da polícia e concorre a oficial de diligências no Tribunal de Trabalho de Portalegre, cargo que ocupou até 1995, tendo ainda sido transferido para Sintra.

Dedicação aos outros

No meio da sua vida profissional e numa época de pobreza, José Belo Subtil começa a tomar atenção a situações difíceis que se vivem em Vale do Peso. Em 1981 escreve um artigo no jornal “O Distrito de Portalegre” para «chamar a atenção das autoridades de que em Vale do Peso era necessário criar-se algo para dar protecção aos mais carentes porque os mais novos estavam-se a ir embora», recorda.

No artigo José Belo Subtil defendia a ideia de se criar um espaço na antiga escola primária onde tivessem condições para viver. «Toda a gente gostou do artigo mas a verdade é que as autoridades do concelho não fizeram nada», sublinha.

Em 1981, José Belo Subtil pertencia às conferências de São Vicente de Paula, em Portalegre, onde fazia um trabalho voluntário em que visitava pessoas carenciadas com um grupo de pessoas, entre os quais algumas personalidades da cidade como o senhor Milhinhos, o senhor Umbelino, Samuel Vintém, entre outros.

Ao ver a pobreza das pessoas de Portalegre em comparação com as de Vale do Peso, José Belo sentiu necessidade de chamar a atenção para as difíceis situações dos seus conterrâneos.

«Aqui há situações de carência, mas em Vale do Peso há pessoas que morrem com fome e com frio», disse numa das reuniões do grupo em que apelou aos membros para visitarem Vale do Peso e assim foi, tal como conta José Subtil.

«Era um dia frio e eu levei-os a casa de uns vizinhos meus. Abri a porta, eles estavam sentados à lareira com uma cafeteira ao lado e eu perguntei-lhes se eles já tinham comido ao que eles me disseram que sim, mas na verdade não tinham comido nada», conta.

Perante aquele cenário os membros das conferências de São Vicente de Paula deram três pacotes de leite em pó para saciar a fome dos dois «velhinhos».

Esta é apenas uma das muitas histórias que retratam as vivências de uma época que marcaram José Subtil, que, entretanto, começou a idealizar a criação de um Centro de Dia em Vale do Peso.

«Entre 1981 e 1986 fiz umas circulares que diziam: ” Há a possibilidade de criar um lar em Vale do Peso” e pouco depois dei início a uma colecta. Trazia uma quantia razoável e isso fez-me pensar que as pessoas confiavam em mim».

Depressa fez força na Segurança Social para a criação de um lar de forma a acabar com as situações de pobreza na sua terra.

Depois de elaborar um projecto com o dinheiro que angariou, através de festas, e com a ajuda da Segurança Social foi um passo até o Lar começar a ser construído. «Toda a gente participou na obra, as pessoas vinham fazer o enchimento das placas de cimento, velhos, novos, toda a população».

Em 1989 o Lar é inaugurado para felicidade de toda a população. «Foi uma grande festa», diz José Belo Subtil que desde há 30 anos se mantém à frente da instituição.

Considerando que «o futuro a Deus pertence», José Belo garante que há ainda muito para fazer e aponta as obras de ampliação e restauração do lar como prioridade.

José Belo torna-se agora a única pessoa no distrito a receber o prémio Nunes Correa Verdades de Faria, sendo que a sua história fica agora imortalizada num livro que reúne todos os premiados.

Publicidade