João Saldanha, 70 anos de comércio tradicional

Bem-disposto e conversador, João Saldanha, de 82 anos, recorda com felicidade as sete décadas naquele estabelecimento.

Quando acabei a quarta classe, os meus pais deram-me a escolher entre o Liceu e a Escola Industrial. Disse que queria ir para uma loja e aqui estou. Apanhei prisão perpétua».

Foi assim que João da Conceição Tavares Saldanha, que completa 70 anos de comércio tradicional e meio século por conta própria, recordou a sua chegada ao estabelecimento que foi a sua segunda (ou talvez primeira) casa ao longo de uma vida de trabalho.

Na montra da Casa Saldanha, que acolhe hoje o mais velho e mais antigo comerciante de Portalegre, encontra-se uma referência ao dia 8 de Abril de 1948 e ao momento em que o ainda muito jovem João Saldanha iniciou uma longa e dura caminhada. Uma jornada que só interrompeu durante ano e meio – para cumprir o serviço militar – e que só foi possível graças a todos os clientes que deram vida, propósito e alegria à sua missão e aos quais «este servidor» faz questão de agradecer.

No tempo em que as crianças ainda podiam trabalhar, João Saldanha chegou à então Casa Roque com cerca de uma dúzia de anos. Numa drogaria já muito antiga, foi no meio das ferragens e materiais de construção civil que começou a trabalhar. E o que fazia? «Varria! Era assim que se começava». E era assim que iniciava a ligação as chefias e os colegas, bem como com os clientes. Aprendeu a atender, começou a servir e nunca mais parou. Vinte anos depois, precisamente no mesmo dia em que iniciou a sua vida profissional – a 8 de Abril – passou a gerir o estabelecimento por conta própria, atribuindo-lhe então o seu nome. Ali, entre os vários espaços que chegou a deter no início da Rua Comércio, ainda trabalhou mais de uma dezena de pessoas. Mas o número foi diminuindo. Os responsáveis?! a diminuição da população e o aparecimento dos hipermercados, que se tornaram impossíveis de combater. «Nunca deu para enriquecer e a prova é que nunca consegui comprar casa própria», lamenta. E hoje? «É mais para passar o tempo», mas a verdade é que só no tempo em que nos concedeu esta breve entrevista João Saldanha recebeu meia dúzia de clientes. «Ainda vêm e compram, e outros aparecem para cumprimentar, para meter a conversa em dia. Foram muitos anos», realça.

Na Casa Saldanha encontramos um pouco de tudo. De ferragens já resta pouco, mas para além dos tachos e panelas, pilhas e lâmpadas, baldes, esfregonas e detergentes, tintas e pincéis, ainda encontramos alguns trabalhos em madeira que fez questão de nos mostrar. Gaiolas, relógios e até um tabuleiro de damas, construídos pelo seu próprio punho, como forma de se entreter e passar o tempo. Também tem por ali uma televisão, mas «é só companhia», pois «raramente ouço o que estão a dizer».

De portas abertas de segunda a sábado, das 09h às 19h, com duas horas de almoço, João Saldanha assegura que esta sua pena «perpétua» é para cumprir até morrer, «como todos os homens e mulheres do comércio tradicional». «Enquanto tiver saúde fico por aqui», garante, explicando ainda que dificilmente haverá continuidade, uma vez que a companheira não está interessada nesta vida e o filho trabalha está em Lisboa, na central da CGD.

Bem-disposto e conversador, João Saldanha, de 82 anos, recorda com felicidade as sete décadas naquele estabelecimento. Assume que «quem tem uma porta aberta apanha de tudo», mas salienta que sempre foi bem tratado e acarinhado pelos clientes, a quem fez questão de agradecer ao comemorar, no dia 8, esta bonita marca. «Decidi assinalar e agradecer, porque estes anos todos não se somaram sozinhos», declarou.

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